domingo, 2 de março de 2014

“CORRUPÇÃO AMEAÇA FUTURO DE MOÇAMBIQUE”, Adriano Nuvunga




A preocupação é do director do Centro de Integridade Pública de Moçambique Adriano Nuvunga, em entrevista à VOA em Washington.

Álvaro Ludgero Andrade – Voz da América

A corrupção em Moçambique é uma coisa séria e começa a ganhar contornos preocupantes que podem colcocar em causa o futuro do país, ao ponto de o Estado poder ser rico mas ter uma população pobre.

A preocupação é do director do Centro de Integridade Pública de Moçambique Adriano Nuvunga, em entrevista à Voz da América em Washington.

O Centro de Integridade Pública de Moçambique está muito preocupado com a corrupção no país que começa a ganhar contornos preocupantes.

Segundo o seu director Adriano Nuvunga, o problema deixou de ser o que se pode chamar a pequena corrupção, mas sim aquela que envolve conflitos de interesses.

"Os senhores da luta da libertação está a transformar-se nos principais empresários, aproveitando os recursos do pais e abrindo caminho para grandes conflitos de interesse", explica Nuvunga.

Para aquele responsável, cujo centro de integridade pública tem produzido relatórios sobre o uso dos recursos naturais e seus proventos e alertado para a corrupção, o grande perigo é que o futuro do país possa vir a ser minado se não houver um forte combate à corrupção.

Para evitar males maiores, Adriano Nuvunga recomenda a adopção de nomas que se aplicam a nível internacional.

O Centro de Integridade Pública é uma entidade que pretende promover a promoção da integridade, da transparência, da ética e da boa governação na esfera pública, assim como a promoção dos direitos humanos em Moçambique.

Frelimo designou ministro da Defesa como candidato às presidenciais moçambicanas




O comité central da Frelimo elegeu hoje (1/3) o ministro da Defesa, Filipe Nyusi, como candidato do partido no poder em Moçambique às eleições presidenciais de 15 de outubro.

Filipe Nyussi, 56 anos, natural de Cabo Delgado, norte de Moçambique, é formado em engenharia mecânica, grau obtido na antiga Checoslováquia, e tem uma licenciatura em gestão, pela Universidade de Manchester, no Reino Unido.

Antigo dirigente do Ferroviário de Nampula e ex-administrador dos Caminhos de Ferro de Moçambique, Nyussi é ministro da Defesa de Moçambique desde 2010.

O candidato da Frelimo é oriundo de uma família de antigos combatentes e pertence à influente etnia maconde, apoiante da primeira hora da guerrilha da Frelimo contra o colonialismo português e que deu vários generais ao partido.

Para já um dos seus próximos desafios parece ser o de fixar uma ortografia para o seu apelido, que, nos documentos e nos jornais, varia entre Nyusi e Nyussi.

Na corrida estavam cinco candidatos: o atual primeiro-ministro, Alberto Vaquina, os ministros da Defesa, Filipe Nyusi, e da Agricultura, José Pacheco, e os antigos primeiros-ministros Aires Aly (2010-2012) e Luísa Diogo (2004-2010).

O vencedor foi encontrado numa segunda votação, que disputou contra Luísa Diogo, depois de, na primeira, não se ter registado uma maioria absoluta.

Na segunda volta, Nyusi teve 68% votos, contra 31% de Luísa Diogo, de um total de 200 votantes.

O anúncio foi feito por volta das 24:00 (22:00 em Lisboa)

Durante o dia, perante os membros do comité central da Frelimo, todos os candidatos defenderam, em intervenções de 10 minutos, o seu programa como chefe de Estado, que, no regime presidencialista de Moçambique, é responsável pela formação do governo e preside aos conselhos de ministros.

A Frelimo, partido que governa Moçambique desde a independência, em 1975, venceu todas as anteriores eleições, realizadas desse a introdução do multipartidarismo no país, em 1994.

Joaquim Chissano, em 1994 e 1999, e Armando Guebuza, em 2004 e 2009, foram os dois líderes do partido eleitos democraticamente para a Ponta Vermelha, cada um para dois mandatos.

Antes, no regime de partido único, Samora Machel e Joaquim Chissano foram nomeados pela Frelimo para a Presidência do país.

O atual chefe de Estado e líder da Frelimo, Armando Emílio Guebuza, está constitucionalmente impedido de concorrer a um terceiro mandato na Presidência da República moçambicana.

No entanto, Guebuza continuará a liderar o partido, situação que, no caso da vitória do candidato da Frelimo, o coloca numa posição de superioridade sobre o futuro Presidente da República.

Nyusi deverá ter como adversários o histórico presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, e o líder do MDM, Daviz Simango, que já anunciou a intenção de se candidatar à Ponta Vermelha.

LAS // MSP – Lusa – foto André Catueira

José Mário Vaz é o candidato do PAIGC às presidenciais na Guiné-Bissau




O antigo ministro das Finanças da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, foi escolhido hoje como candidato do PAIGC às eleições presidenciais de 13 de abril, através de votação secreta, numa reunião do Comité Central do partido.

Tanto a votação como a contagem dos votos na sede do PAIGC, em Bissau, foram acompanhadas pelos jornalistas, que viram José Mário Vaz (mais conhecido no país por Jomav) vencer Mário Lopes da Rosa na segunda volta do escrutínio - tendo arrecadado 208 votos, enquanto o adversário recolheu 109.

Os dois chegaram à segunda volta das eleições primárias no Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) iniciadas no sábado de manhã com 11 pré-candidatos.

José Mário Vaz e Mário Lopes da Rosa, atual ministro das Pescas no Governo de transição, foram os mais votados, embora nenhum dos dois tenha alcançado os votos necessários para ser eleito à primeira volta.

O processo de votação ficou marcado com a peripécia de 14 membros do Comité Central do PAIGC terem "votado" em Carlos Gomes Júnior, primeiro-ministro deposto por um golpe de Estado militar em abril de 2012, apesar de o seu nome ter sido rejeitado pelas estruturas do partido.

Na contagem dos votos, aqueles 14 foram dados como nulos por conterem o nome de Carlos Gomes Júnior, ex-líder do PAIGC, que oficialmente não era candidato e cuja fotografia não constava sequer dos boletins.

Apesar de ter procurado o apoio do partido, o processo do ex-líder não passou pelo crivo do Conselho Nacional de Jurisdição para chegar às primárias, com a justificação de que está fora do país e não podia apresentar a sua moção de candidatura.

No sábado, de cada vez que o nome era pronunciado pela comissão eleitoral no apuramento dos votos, viviam-se momentos de agitação na sala de reuniões com algum "burburinho" por causa do insólito que a situação representava.

A situação repetiu-se durante a contagem de hoje, na segunda volta das primárias entre José Mário Vaz e Mário Lopes da Rosa, com um membro do Comité Central a preferir Carlos Gomes Júnior em vez de um dos dois que estavam na disputa.

Mais uma vez, esse voto foi considerado nulo.

Momentos após a consagração como candidato que o PAIGC vai apoiar nas presidenciais de 13 de abril, José Mário Vaz prometeu também trabalhar para que o partido ganhe as eleições legislativas (na mesma data), para que Domingos Simões Pereira seja primeiro-ministro.

"A partir de hoje damos início ao verdadeiro caminho para construirmos a Guiné-Bissau, comigo como Presidente e Simões Pereira como primeiro-ministro", referiu, sem se esquecer de três figuras do país que o inspiram enquanto político: Amílcar Cabral ("pai" da Nação), o ex-presidente "Nino" Vieira e Carlos Gomes Júnior.

Economista formado em Portugal, José Mário Vaz apresenta-se como homem que imprime rigor na administração pública e como um acérrimo defensor do trabalho, tendo já sido presidente da Câmara Municipal de Bissau e ministro das Finanças do governo deposto pelo golpe de Estado de 2012.

No mês de fevereiro de 2013, José Mário Vaz, que tinha acabado de regressar ao país depois de passar vários meses em Portugal na sequência do golpe militar, foi detido a mando do Ministério Público durante três dias.

A detenção foi feita no âmbito de inquéritos sobre um alegado desaparecimento de 9,1 milhões de euros que Angola ofereceu à Guiné-Bissau, mas que não teriam dado entrada nos cofres do Tesouro.

Questionado sobre se este facto poderá vir a ser um entrave à sua candidatura à presidência do país, Mário Vaz diz estar "completamente à vontade" quanto ao assunto.

MB // JLG - Lusa

Economista moçambicano acusa grupos internacionais de financiar conflitos em África


Folha 8 - 22 fevereiro 2014

O econo­mista mo­çambicano Tomaz Sa­lomão, ex­-secretário executivo da SADC, apontou no 19.02 a existência de gru­pos internacionais a finan­ciar conflitos em África para “tirar proveito dos recursos dos países africa­nos” e apelou à estabiliza­ção em Moçambique.

“A história do nosso con­tinente mostra que, em vários países, enquanto os nacionais lutam entre si, há aqueles que vão tirando partido dessas situações, estimulando-as por via da venda de armas, para as­sim poderem continuar a extrair os nossos recursos nacionais”, afirmou To­maz Salomão.

O antigo secretário execu­tivo da SADC (Comunida­de para o Desenvol­vimento da África Austral) apelou aos dirigentes do Governo moçambica­no e da Re­namo para “enterrarem os machados da guerra”, para que Moçambique evite uma situação idêntica à da Republica Democrática do Congo. “Junto a minha voz à de tantos outros compatrio­tas para apelar ao Gover­no e à Renamo para que tudo façam, de modo a que o machado da guerra seja definitivamente, en­terrado e as armas se calem para sempre em Mo­çambi­que”, ape­lou To­maz Salo­mão.

Com re­petidos con­frontos armados entre forças governamen­tais e ex-guerrilheiros da Renamo, Moçambique vive actualmente a pior tensão político-militar desde a assinatura dos acordos de paz de 1992 en­tre a Renamo e a Frelimo, que puseram termo a 15 anos de guerra civil.

O economista moçambi­cano destacou a crescente importância da SADC no contexto político, econó­mico e social do continen­te africano, cujo Produto Interno Bruto (PIB) das economias dos 15 países que compõe a comunida­de é de “650 mil milhões de dólares”, ainda assim, “inferior ao da Turquia sozinha”, alertando ainda Moçambique sobre os bai­xos rendimentos da sua população.

“Não obstante os esforços feitos na recuperação eco­nómica de Moçambique, o nosso PIB per capita con­tinua a ser um dos mais baixos da região, estando apenas acima do Maláui, Madagáscar e República Democrática do Congo, e estando a par da Tan­zânia”, sublinhou Tomaz Salomão.

O antigo ministro das Fi­nanças no governo de Joa­quim Chissano foi um dos oradores da cerimónia de arranque do novo ano le­tivo da Universidade Poli­técnica, em Maputo, onde apresentou a palestra “Preparando as mulheres e os homens para os desa­fios de amanhã”.

PADRES PEDÓFILOS EM MOÇAMBIQUE. SILÊNCIO DE ORGANISMOS E GOVERNO PORTUGUÊS




Padres investigados por suspeitas de abusos dirigem orfanato e escola que teve apoio de Portugal

ANA DIAS CORDEIRO - Público

Uma escola do Centro Polivalente Leão Dehon beneficiou de apoios de Portugal através da colocação de professores. Um deles fez uma denúncia por suspeitas de abusos sexuais de menores contra dois padres italianos nessa cidade moçambicana: o director desse centro e o responsável de um orfanato. O caso está a ser investigado por procuradores em Itália e Moçambique, numa altura em que a ONU exige que padres suspeitos de abusos a menores sejam afastados.

Naquele dia, um dos rapazes vinha aflito. Como quem precisa de se redimir e, ao mesmo tempo, pede socorro. Precisava de falar - ele e os outros miúdos, todos menores, que diziam que o padre tinha construído dentro do orfanato, onde viviam, uma prisão para os castigar, uma prisão com grades, como nos filmes.

Muitas vezes sentiam-se observados, também por se sentirem diferentes: ele e, como ele, os alunos mais novos na escola dirigida pelo padre Ilario Verri que viviam no orfanato do padre italiano Luciano Cominotti em Gurúè, Moçambique. Moviam-se como sombras sempre vigiadas, que quase ou nunca sorriem. Tinham isso em comum. Isso e a cumplicidade de um terrível segredo.

Este seria, contudo, um novo e diferente dia, capaz de dissipar as nebulosas suspeitas que se avolumavam todas as semanas aos olhos do professor, João Gomes de Oliveira. O médico veterinário português fora colocado pela cooperação portuguesa, como professor numa das duas escolas do Centro Polivalente Leão Dehon em Janeiro de 2010 nesta pequena cidade moçambicana da Zambézia, para onde foi seleccionado entre os vários estagiários enviados esse ano no quadro do programa Inov Mundus, financiado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Foi lá que ouviu a denúncia de abusos sexuais de menores contra os dois padres. E com ela, apresentou uma queixa relacionada com as investigações judiciais que decorrem actualmente – uma em Itália e a outra na procuradoria de Gurúè em Moçambique.

As dezenas de avisos que enviou a organizações internacionais de defesa dos direitos humanos e das crianças, aos seus responsáveis directos no então Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), à Cônsul-Geral de Portugal em Moçambique, Graça Gonçalves Pereira, à embaixada de Moçambique em Portugal e, já depois de três anos, ao ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas, e a que o PÚBLICO teve agora acesso, esbarraram com o silêncio. Da Procuradoria-Geral da República, para onde foi encaminhada uma denúncia que fez na Polícia Judiciária, responderam-lhe que, sendo este um assunto para a polícia e a justiça de Moçambique, nada podiam fazer.

Para ele, quanto mais depressa este caso for denunciado, “melhor”. A história destes miúdos – uns órfãos, outros não – é como um fardo que carrega desde então. “O que acontece às vítimas destes abusos quando crescem é uma pergunta que nunca ninguém me soube responder.”

Depois de ouvir “o relato assustador” de um dos seus alunos (ver entrevista nestas páginas), João Oliveira foi violentamente agredido. Comprovam-no fotografias tiradas na unidade hospitalar onde ficou, antes de sair para sempre de Gurúè. Foi apedrejado na cabeça, quando seguia de moto sem capacete. Não saberá dizer quem o fez. Mas acredita que quem foi sabia que o professor português estava prestes a denunciar os padres Ilario e Cominotti à polícia de Gurúè por abusos sexuais de rapazes.

Dever legal e dever moral 

Já em Portugal, esteve internado para uma longa recuperação após a agressão. No dia em que finalmente saiu do hospital, foi à polícia. A queixa foi aceite e encaminhada para o Ministério Público onde foi arquivada por “incompetência territorial”, em Fevereiro de 2011. “A queixa podia ter sido encaminhada de imediato para Moçambique”, diz João Oliveira, que fala em “dever moral” de alertar as autoridades do país.

Do ponto de vista legal, sendo as vítimas moçambicanas e os agentes (do suposto crime cometido em Moçambique) italianos, Portugal não tinha competência para tratar o caso, segundo os juristas ouvidos pelo PÚBLICO.

A denúncia seguiu para a Procuradoria-Geral de Moçambique, sim, mas só dois anos mais tarde, em Julho de 2013, “ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa” – confirmou o PÚBLICO junto da PGR portuguesa, que fala em “processo autónomo”, não esclarece se este está relacionado com a mesma denúncia de João Oliveira arquivada no início de 2011, e não explica por que houve, nesse caso, uma demora de dois anos em fazê-la seguir para Moçambique.

A iniciativa surgiu já depois de a PGR portuguesa ter conhecimento da abertura de uma investigação em Itália, também relacionada com uma denúncia de João Oliveira que foi pelos seus próprios meios a Itália.

“Entrei numa esquadra da polícia e contei o que se passava”, recorda. A denúncia contra os dois italianos – o padre Luciano Cominotti, do orfanato, e o padre Ilario Verri, ainda hoje director da escola – o Centro Polivalente Leão Dehon – deu entrada em Abril de 2012.

Dois percursos, um destino 

Ilario Verri é um padre dehoniano, em Moçambique, há muitos anos. Viveu junto à fronteira com o Malawi, nos anos de guerra civil. Depois foi para Maputo de onde partiu para Gurúè com o objectivo de reconstruir o complexo da escola e do centro que já existia desde 1969, e era dirigido pelos religiosos dehonianos presentes em Moçambique desde 1968.

Em 1975, com a independência, o complexo foi nacionalizado, e em 1994 devolvido à província moçambicana da Congregação Dehoniana, uma congregação religiosa da Igreja Católica fundada pelo padre Leão Dehon em 1878 e hoje presente em dezenas de países, incluindo Portugal.

O complexo foi reconstruído e melhorado e passou a chamar-se Centro Polivalente Leão Dehon (em homenagem ao fundador). Engloba a Escola Básica Industrial (uma escola profissional, correspondente à escola secundária, até ao 9.º ano) e o Instituto Médio Agro-Pecuário (que corresponde ao nível do liceu). João Oliveira foi colocado nesta, mas também dava aulas de informática aos alunos mais novos da escola profissional.

Luciano Cominotti é diocesano e terá ido para Gurúè por escolha pessoal depois de ser ordenado padre em Milão ou já em Gurúè (as informações diferem entre o que diz o padre português Luciano e o padre Ornelas em Roma, chefe da Congregação (ver entrevista nestas páginas)).

“Era militar em Itália, decidiu-se pelo sacerdócio, fez o pedido ao bispo de Milão. Ele queria ir para as missões”, contou ao PÚBLICO o padre português Luciano, com responsabilidades na Congregação dos Dehonianos em Portugal e que fez parte de um dos grupos que iniciaram o programa de voluntariado no Centro Polivalente em Gurúè. “À partida, quando se é ordenado padre, fica-se na diocese onde se nasceu. Para ir para outra tem de haver uma razão”, acrescenta.

Luciano Cominotti escolheu Gurúè, onde terá chegado no início da década de 2000. Em 2004, “a sua obra já existia”, diz o padre português sobre o orfanato que foi sendo aumentado, à medida que o padre Cominotti foi adquirindo os terrenos em volta graças a apoios e donativos de “benfeitores italianos”.

Duas imagens do orfanato, disponíveis na Internet, mostram, ao longe, este sumptuoso casarão, que se eleva, por entre as copas das árvores, como um estranho castelo junto a uma pequena cidade onde são visíveis os sinais de abandono, as casas modestas e as estradas de terra batida. Uma dessas imagens vem acompanhada de um enigmático texto, não assinado, e que descreve esta casa como um “orfanato masculino para crianças”, já depois de referir: “Desculpem pela distância da imagem, mas lá no fundo conseguem ver um edifício deslumbrante. Fica no Gurúè, com vista para o lago e possui instalações que no mundo civilizado seriam consideradas de excelentes. Nada ali falta. É mantido por patrocinadores, que visitam as instalações de vez em quando.”

Um padre “dedicado”

Quem conhece o orfanato é o padre Adérito Barbosa, que lá esteve dentro, por ser “amigo do padre Luciano Cominotti”, diz ao PÚBLICO antes de ser confrontado com a denúncia contra o padre italiano e as investigações que correm em Moçambique e em Itália.

“É um padre dedicado, com responsabilidades na diocese, e com a sua obra, como esta casa de apoio às crianças”, continua o padre Adérito Barbosa, coordenador nacional da Família Dehoniana em Portugal e presidente da Associação dos Leigos Voluntários Dehonianos, criada em 1999, vinculada à Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos) e responsável pelo envio de professores voluntários para o Centro Polivalente Leão Dehon e outras “obras” dehonianas em Moçambique e noutros países.

É este padre que descreve o orfanato – ou antes “um centro de apoio de crianças necessitadas” – como “um castelo”. “Está fechado, não entra ninguém”, continua. “Está fechado porque é privado. Estão lá os moços dentro. Ele [Luciano Cominotti] põe os miúdos a trabalhar. Uns guardam, outros trabalham. Já lá fui dentro várias vezes – a última das quais há quatro ou cinco anos”, diz – antes de confirmar que o casarão tem guardas armados e que alguns na cidade falam do “terror” que o lugar inspira.

A última vez que esteve em Gurúè foi no ano passado, mas o padre Luciano Cominotti não estava lá. Ele e o padre Ilario vão algumas vezes a Itália pedir dinheiro para a “obra” que um e outro dirigem. A obra do padre Cominotti “é para ajudar as crianças”. O orfanato terá “umas 50 crianças”, acrescenta.

O PÚBLICO tentou várias vezes contactar Cominotti na Diocese, mas não obteve resposta, e o padre Ilario Verri para o Centro Polivalente Leão Dehon, mas o director encontra-se em Itália, há já alguns meses “por motivos pessoais”.

“Os dois padres são indissociáveis”, diz João Oliveira, que acredita que Luciano Cominotti teve, no passado, ligações à Congregação dos Dehonianos, e que existe uma tentativa de os dissociar, para diluir responsabilidades.

“Algures durante este processo o padre Luciano e o orfanato deixaram de ser dos Dehonianos. Esse é um assunto a esclarecer. Eles sabem o que se passa e obviamente haverá dentro da ordem quem se oponha e tenha provocado essa separação conveniente, aparente e exterior”, considera.

O orfanato está mais exposto às suspeitas de abusos de crianças do que a escola, que também não escapa a “frequentes rumores”, como contou ao PÚBLICO outro português que viveu em Gurúè, e recebe visitantes nas suas casas destinadas a voluntários num antigo seminário transformado em pensão, e que é descrita no site da escola (com fotografias dos quartos e da escola) como “uma belíssima mansão não longe do centro”.

Os padres dehonianos contactados em Lisboa e Roma pelo PÚBLICO desmentem a ligação, insistindo que Luciano Cominotti sempre foi diocesano e desempenha cargos de responsabilidade na Diocese de Gurúè – na página da Diocese na Internet aparece como administrador. Dizem nunca ter ouvido falar da denúncia do português João Oliveira ou de uma qualquer outra denúncia relativa ao padre Ilario.

“Estou a ouvir isso pela primeira vez”, garante o padre Adérito Barbosa. “Tenho as melhores referências dele e do trabalho dele”, afirma o padre português Luciano, também contactado. E sobre esse antigo seminário, hoje “uma hospedaria” pertencente ao Centro Polivalente, diz que “foi requalificado, aumentado e melhorado para receber turistas e visitantes, e pessoas ligadas a empresas e ao Governo”.

Para João Oliveira, a ligação entre os dois padres é relevante para mostrar que uma escola que beneficiou do apoio do Ministério dos Negócios Estrangeiros português, através ca colocação de professores como ele, serviu de “fachada” para algo que envolve as duas instituições – orfanato e o Centro Polivalente Leão Dehon. E que apesar das suas denúncias – e das investigações abertas em Itália e Moçambique – os mesmos padres, alvo das suspeitas, continuam como responsáveis das duas instituições.

João Oliveira defende que se “justifica em pleno a necessidade do envolvimento das Nações Unidas neste crime global” e acolhe com entusiasmo a decisão do Comité da ONU para os Direitos das Crianças – no início de Fevereiro – de exigir à Santa Sé “a retirada de funções” de padres pedófilos ou suspeitos de o serem e que os entreguem às autoridades judiciais para serem investigados (num pronunciamento que não é vinculativo).

Exigências da ONU

Num documento sem precedentes divulgado há um mês, e que o Vaticano criticou por “deturpar os factos”, os peritos deste comité da ONU notaram que 400 sacerdotes foram expulsos da Igreja Católica em 2011 e 2012, por denúncias de pedofilia, durante o pontificado de Bento XVI. Mas numa análise aprofundada de um vasto dossier de queixas recebidas, nos últimos anos, contra padres da Igreja Católica em vários países, concluíram que os abusos foram “sistemáticos” e que a verdade só será conhecida quando as vítimas foram ouvidas.

João Oliveira revê-se plenamente nessas conclusões e diz que é urgente que as vítimas sejam protegidas para poderem ser ouvidas. Só quando isso acontecer, haverá provas, reforça.

“Depois da agressão que eu sofri, as vítimas nunca falarão com os padres por perto. Foi uma mensagem violenta e eficaz que silencia muitas testemunhas”, escreveu numa das muitas cartas que enviou desde então para desbloquear a situação.

O médico veterinário, colocado como professor em Moçambique, acredita que este país está a “converter-se num exemplo internacional da passividade da Igreja Católica perante o crime da pedofilia". Quando foi agredido, o seu estatuto de funcionário em serviço para a cooperação portuguesa previa que um alerta fosse accionado (para a Embaixada de Portugal em Moçambique) pelos padres, por serem eles os responsáveis da escola onde fora colocado como estagiário do Inov Mundus, com um seguro de saúde que lhe daria direito a um repatriamento de urgência.

Os padres não accionaram o alerta e a Embaixada portuguesa só foi avisada dias depois pela Embaixada da Dinamarca, que soube da situação, através de uma funcionária estrangeira a trabalhar em Gurúè. Os amigos de João Oliveira – de várias nacionalidades – revezaram-se para que nunca ficasse sozinho numa sala daquilo que em Gurúè, antiga Vila Junqueiro, mais se assemelha a um hospital.

“O repatriamento de emergência está bem claro no seguro oferecido no contrato. Assim que fiquei melhor, alertei o IPAD, exigi que me levassem até Maputo, fui para a Embaixada de Portugal, depois Joanesburgo, e por fim Lisboa”, conta João Oliveira.

Poucas ou nenhumas respostas

Já em Portugal, quase não recebeu respostas às cartas que enviou e a que o PÚBLICO teve agora acesso, incluindo ao então ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas a quem escreveu em Abril de 2013 a acusar a cooperação portuguesa de permanecer “criminalmente silenciosa e passiva neste assunto” e alertando para o facto de “o MNE poder estar a patrocinar a pedofilia em Moçambique”.

Dois anos antes, escrevera “várias vezes” à então Cônsul-Geral de Portugal em Moçambique, Graça Gonçalves Pereira, “a pedir ajuda para estas crianças” e informações sobre instituições locais para uma possível “intervenção”. Ao PÚBLICO, Graça Gonçalves Pereira disse receber “centenas de queixas de portugueses” quando assumiu funções de Cônsul-Geral em Maputo, até 2012, e não se lembrar dessa correspondência em particular.

E ainda quando estava em Gurúè, várias vezes alertou os responsáveis do IPAD (entretanto extinto e fundido com o Instituto Camões). “Diziam que lamentavam muito o que tinha acontecido. Não demorou muito tempo até eu perceber que não iam fazer nada”, diz João Oliveira.

“Foi um assunto que a nossa direcção teve conhecimento”, disse ao PÚBLICO Fernanda Catarino, uma das responsáveis do Inov Mundus, e que frequentemente tinha contacto com o professor. Foi com ela e com a sua superior que João Oliveira desde muito cedo partilhou as suas suspeitas.

A esse nível, nada podia ser feito, diz Fernanda Catarino, agora funcionária no Camões. “O assunto foi submetido à consideração superior, até à direcção.” Era então presidente do IPAD Augusto Manuel Correia, que não respondeu às perguntas enviadas pelo PÚBLICO.

Ao PÚBLICO, também o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua (que absorveu o extinto IPD em 2012) não esclareceu quantos professores portugueses colocou no Centro Polivalente Leão Dehon, e entre que datas, se deu outro tipo de apoio e quais os critérios escolhidos para seleccionar o Centro Polivalente e a sua escola para figurarem na lista das entidades a beneficiar deste apoio da cooperação portuguesa.

Já depois de sair de Gurúè, João Oliveira alertou também organizações de direitos humanos. A Human Rights Watch remeteu para a Amnistia Internacional, que remeteu para a Unicef, que não respondeu.

A carta que, em Abril de 2013, o cooperante português escreveu à procuradora-adjunta do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de novo a insistir para que o caso não ficasse esquecido, terminava assim: “Tenho que lhe pedir desculpa pela minha obstinação, mas eu conheço alguns destes miúdos. Têm nome e pouco mais que isso. Não têm nem pai ou mãe ou quem queira saber deles. (…). A senhora procuradora pode arquivar estas vidas: eu não.”

Foto Nelson Garrido

Entrevista com João Oliveira: “Os responsáveis do MNE optaram por apagar o assunto”

ANA DIAS CORDEIRO - Público

João Paulo Gomes de Oliveira, 38 anos, é médico veterinário e trabalha em cooperação internacional e desenvolvimento desde 2001. Passou por organizações nacionais e internacionais de vários países.

Quando, em 2010, foi colocado como professor pelo Centro Polivalente Leão Dehon, em Gurúè, Moçambique, no quadro de um programa do então Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), financiado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, denunciou abusos sexuais de alunos seus envolvendo os padres responsáveis pelo centro e por um orfanato ali perto.

O que o levou a fazer a denúncia?

Sobretudo a gravidade da situação. À medida que me fui integrando na escola e à medida que os alunos perceberam que eu não estava relacionado com os padres [o director da escola e o responsável de um orfanato em Gurúè], comecei a ter suspeitas, a notar factos e comportamentos estranhos como os guardas armados à porta do orfanato. Quando fui procurado por um aluno angustiado e desesperado que queria fugir, mas não tinha como nem para onde, confrontei-o e recebi um relato assustador sobre o que se estava a passar.

Os dois padres – Ilario Verri e Luciano Cominotti –  estão a ser investigados em Itália apenas com base na sua denúncia?

Não sei dizer. Mas é notório que a minha denúncia foi levada a sério e é suficientemente substantiva e fundamentada para ter sido encaminhada da judiciária para a procuradoria [em Itália] e merecer já vários meses de investigação. Fui chamado pelo Ministério Público italiano para depor sobre estes padres, o que aconteceu no passado mês de Setembro. 

Quais as provas que apresentou?

As provas foram entregues às autoridades competentes e estão a ser alvo de investigação. Não será um processo fácil atendendo à natureza do crime,  às limitações das instituições em Moçambique e, no caso da procuradoria italiana, à barreira da língua. Este caso sublinha a responsabilidade criminal da Igreja Católica e a importância de ser a justiça secular a resolver estes casos, simplesmente porque todos sabemos que a justiça, a polícia, a liberdade de imprensa apenas funcionam numa parte restrita do mundo. E é exactamente na outra parte que se encontra a maioria das crianças desprotegidas. É muito importante que a Igreja Católica assuma a sua responsabilidade e tome medidas para a protecção efectiva das crianças.

Reportou a situação aos seus superiores no IPAD. O que esperava que fizessem?

O crime reportado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) [de que dependia o IPAD] é um crime que viola as convenções internacionais de direitos humanos assinados pelo Estado português. Espera-se do Estado português que não negligencie a segurança das vidas humanas, principalmente quando estamos a falar de crianças desfavorecidas em países irmãos. Se existem indícios suficientes para que a justiça de dois países estrangeiros investigue, é incompreensível a negligência dos responsáveis do MNE perante os mesmos factos, que simplesmente optaram por apagar o assunto.

Os dois países – Itália e Moçambique – têm competência judicial. Portugal não tinha, por não serem nem as vítimas nem o suposto agente do crime portugueses. 

Seja como for, sendo o ensino a grande aposta da cooperação portuguesa nos PALOP, este procedimento levanta sérias questões sobre qual o procedimento do MNE quando situações semelhantes chegam ao seu conhecimento. A escola onde trabalhei não tinha sido sequer visitada antes por nenhum dos meus superiores. Não o foi antes, durante, nem depois. Quem garante que em outras instituições, que beneficiam da cooperação portuguesa, não se verificam crimes desta natureza?

- Título PG

Soares: “A única maneira de falar com os mercados é dizer-lhes: ‘Não, não pagamos’”




Em entrevista ao El País, o antigo Presidente da República acusa o Governo de destruir tudo o “que se construiu” com o 25 de Abril.

Para o Governo de Pedro Passos Coelho, o que conta são os mercados, não as pessoas, diz Mário Soares, numa entrevista ao diário espanhol El País. Acusa o executivo PSD/CDS-PP de estar a destruir o Estado social e de só pensar em agradar aos mercados. O antigo Presidente da República considera que Portugal não tem condições de pagar a dívida pública (cerca de 130% do PIB) e que, por isso, deve assumi-lo perante os mercados.

Soares volta a apresentar o exemplo da Argentina, notando que o país se recusou a pagar a dívida em plena crise financeira. “A única maneira de falar com os mercados é dizer-lhes: ‘Não, não pagamos’. Foi o que disse a Argentina e não aconteceu nada. Sou um grande admirador de Obama e do Papa Francisco, duas figuras que me parecem das mais interessantes no mundo. E tanto um como o outro pensam que a austeridade não funciona, não serve para nada. Paul Krugman, que é prémio Nobel da Economia, diz o mesmo”.

“Há um tempo, esteve aqui um ministro chinês e disse-me que os prejudicava muito, na sua relação comercial com os Estados Unidos, o facto de Obama ter decidido emitir dólares. E eu pensei: se os europeus fizessem o mesmo, os nossos problemas resolviam-se. Bastaria dar à manivela de fabricar euros”, diz o histórico socialista, que acusa a chanceler alemã, Angela Merkel, de impedir uma resposta expansionista à crise por parte da Europa.
De volta ao executivo de Passos Coelho e aos quase três anos percorridos desde a entrada da troika: “Em Portugal nada está a mudar [na economia]. Foram anos terríveis. (…) Este Governo está amarrado à troika e aos mercados. São eles que contam, não as pessoas”.

Tudo o “que se construiu com um esforço brutal” desde a revolução do 25 de Abril — “um Estado social sério, sólido, com um serviço de saúde público, com uma educação fantástica e umas universidades equiparadas às de qualquer país europeu” — está a perder-se, diz Soares, acusando o Governo de “vender” o país. “Este Governo só está obcecado com os mercados. Os mercados têm de estar ao serviço das pessoas e não o contrário”.
Soares — o político que o El País descreve como o histórico socialista que, agora com 89 anos, se tem assumido nesta crise como a voz da “consciência da esquerda e da social-democracia” — revela angústia por ver Portugal como um “protectorado da troika”.

Na mesma entrevista, revisita os anos do exílio, os primeiros anos do Partido Socialista, a revolução. E, pelo meio, quando é questionado sobre o que sente mais orgulho enquanto esteve no poder, Soares responde: “De ter posto em marcha o Serviço Nacional de Saúde, a educação, o Estado social, de tudo o que agora estão a destruir. E, sobretudo, de ter sido alguém a impulsionar da cultura”. Acaba por confessar: “Sempre pensei que teria sido melhor escritor do que político”.

Público - Foto: Miguel Manso

Manuel Alegre "estupefacto" com posições de Rui Machete sobre a Guiné Equatorial




O conselheiro de Estado Manuel Alegre manifestou-se neste domingo "estupefacto" com as posições do ministro Rui Machete sobre a Guiné Equatorial, advertindo que a diplomacia portuguesa não pode degenerar na promoção de interesses económicos.

Em declarações à agência Lusa, Manuel Alegre criticou duramente o teor das posições assumidas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros sobre a Guiné Equatorial em entrevista ao PÚBLICO, na qual disse não ter razões para duvidar da palavra do regime liderado por Teodoro Obiang no que respeita ao processo de adesão à Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

"Encaro com estupefacção essas palavras do ministro Rui Machete. Um ministro dos Negócios Estrangeiros de um país democrático não pode confiar na palavra de uma ditadura e de um ditador que passa a vida a fazer promessas, mas a deixar tudo na mesma", contrapôs Manuel Alegre.

Neste contexto, o ex-candidato presidencial deixou um aviso directo ao Governo PSD/CDS-PP liderado por Pedro Passos Coelho: "A diplomacia portuguesa não pode degenerar na gestão e promoção de interesses económicos".

Para Manuel Alegre, no que se refere ao processo de adesão da Guiné Equatorial à CPLP, colocam-se várias questões de "princípio".

"A CPLP destina-se aos países que têm o português como língua oficial. Na Guiné Equatorial o português é a terceira ou a segunda língua - dizem eles, nós não sabemos", apontou o membro do Conselho de Estado e histórico dirigente socialista.

Ainda na perspectiva de Manuel Alegre, na adesão de um país à CPLP, deve também colocar-se o critério relativo à existência ou não de um regime democrático, que respeite os direitos humanos.

"Devem fazer parte da CPLP países que cumprem formalmente a democracia, o que não é o caso da Guiné Equatorial. Deve haver por isso outras razões para este entusiasmo em relação à adesão da Guiné Equatorial. A democracia não é, a língua também não é, talvez os negócios", referiu.

Manuel Alegre advertiu, depois, que o critério "dos negócios é um mau caminho para o projecto da CPLP".

"Portugal não é dono da CPLP, mas também não somos súbditos da Guiné Equatorial. É muito triste que isto esteja a acontecer no 40º aniversário do 25 de Abril de 1974", acrescentou.

Lusa, em Público – foto Raquel Esperança

Portugal: ESPERAR PELA PANCADA



Fernanda Câncio – Diário de Notícias, opinião

Disse Passos, no congresso da risota, que no meio da pancadaria - a de Molière e a outra - com que nos mimoseia há dois anos e meio as últimas arrochadas, mesmo se mais fracas, podem doer mais que as primeiras. Será? Parece é que já nada dói, ou nada já se sente, tal o estado de catalepsia em que o País mergulhou. O coma é tal, aliás, que Relvas, o Relvas que há 11 meses saiu, choroso, por "falta de condições anímicas", se animou a regressar de corpo à alma que é deste PSD. Aliás levou só um bocadinho mais de tempo que Gaspar, o ministro das Finanças que em julho reconheceu por escrito o falhanço da sua política e veio agora, impante, congratular-se no (seu) "milagre". E bastante mais que Portas, tão rápido a sair e reentrar que nisso (como em tanta outra coisa) ninguém o bate.

E, depois, de que últimas pancadas fala Passos, quando se anunciam quatro mil milhões de cortes (o mesmíssimo valor que se anunciava no início de 2013 como equivalendo à "reforma do Estado") e o mesmo FMI que arrepela os cabelos com a tragédia do nosso desemprego e nega o celebrado "milagre das exportações" prescreve baixar ainda mais os salários? Dizia esta semana o ministro Maduro, maduramente, que "é preciso pensar mais, refletir mais, tratar as coisas com mais profundidade." A gente já se contentava com um bocadinho menos de desplante. Veja-se por exemplo a notícia de ontem sobre o subsídio de desemprego.

Parece então que Governo e troika repararam ter a percentagem de subsídios anulados (por incumprimento das regras) vindo a descer, atingindo em 2013, ano do máximo histórico do número de desempregados, o valor mais baixo de sempre. Que concluem daí? Que os desempregados que recebem a prestação, apesar de serem submetidos a cada vez mais exigências, muitas delas gratuitas, humilhantes e persecutórias, se têm esforçado por cumpri-las? Que isso só pode querer dizer que estão desesperados e que o mercado de trabalho não tem mesmo lugar para eles?

Qual quê. Ante a evidência de diminuição da fraude, Governo e troika não desarmam: vão investir em cartas registadas para certificar que quem não responda a uma primeira convocatória em correio normal possa ver logo o subsídio cortado ao não responder à segunda; o número de anulações, dizem, vai compensar o gasto nos registos. E sabem isso como? Fizeram contas. Com base em quê? Isso agora: então não é bom de ver que há uma percentagem fixa de desempregados burlões (senão todos), excelmente determinada, e que só falta apanhá-los?

Realmente, não se imagina melhor forma de comemorar os 40 anos de um partido que faz uma paródia da social-democracia senão esta espécie de Estado social por equivalência, em que as prestações sociais existem para ser anuladas e a lei para acertar contas. Razão têm os líderes do PSD para rir, e Relvas para voltar: estamos mesmo no ponto.

Portugal: "Os políticos não corresponderam ao sonho de Abril" – entrevista Veiga Simão



João Céu e Silva – Diário de Notícias, com vídeo

O ex-ministro de antes e do pós-Revolução dos Cravos considera que "as novas gerações devem libertar o país destes partidos porque o Estado está em decadência". Para Veiga Simão, não há dúvidas que "os portugueses e os políticos não foram capazes de corresponder ao sonho de Abril" e é bastante crítico quanto "aos políticos que realmente têm governado o nosso País".

Para Veiga Simão, a situação em que encontra o Portugal diz respeito a todos os portugueses: "A classe política encontra-se desprestigiada e precisávamos de políticos a sério. No caso dos governantes, naturalmente são culpados aqueles que os elegem." E pede uma resposta às novas gerações: "A frente de grandes interesses que dominam um Estado que está em decadência exige que as novas gerações libertem o País destes partidos."

Acrescenta que a situação não se deve apenas ao atual Governo mas "a governos sucessivos que permitiram o predomínio do poder económico sobre o político, aos grupos de interesses e também, infelizmente, a um alastrar da corrupção que é uma vergonha para o País." A solução para se sair desta situação é "apostar verdadeiramente num Estado inteligente", realidade que não se tem verificado, por exemplo, na reforma do Estado e de todas as instituições que o constituem: "Já se nomearam durante 19 governos constitucionais ministros da Reforma Administrativa e da modernização e até agora ainda não a fizemos. Pelo contrário, destruímos as instituições essenciais para realizar essa reforma e os governantes preferem fazer encomendas de serviços e de estudos a entidades que não estão integrados no Estado e que muitas vezes produzem relatórios em que apenas apostam nas ideias que esses governantes têm. Ou seja, destruímos o Estado inteligente que era necessário para reformar o Estado."

O professor catedrático critica também a política educativa do ministro Nuno Crato e considera-o uma desilusão. Quanto à atuação do Presidente da República, acha que a Constituição de veria dar-lhe mais poderes.

Leia a entrevista na íntegra na edição em papel ou e-paper do DN

Angola: A NOVA PAUTA ADUANEIRA



Filomeno Manaças – Jornal de Angola, opinião

No ano em que Angola se prepara para assinalar o 12º aniversário da paz e a pouco mais de um mês de ter lugar o acontecimento, uma nova Pauta Aduaneira entrou em vigor. A princípio pode parecer que não há relação entre uma e outra coisa.

Mas se atentarmos aos factos e ao percurso da economia nacional veremos que a nova Pauta Aduaneira já reflecte e atesta que temos resultados palpáveis do grande esforço feito para o relançamento da produção interna.

A evidência mais significativa desta grande mudança e que a nova Pauta Aduaneira traduz com particular notoriedade está no facto de observarmos uma diminuição substancial dos produtos livres de impostos. Antes eram 2.576 e agora são 366. Outrossim antes uma taxa de dois por cento incidia apenas sobre 914 produtos, ao passo que agora alarga-se o leque a 1.150. Um agravamento significativo das taxas - que varia dos dez por cento a 50 por cento - recai sobre vários produtos importados, muitos deles já em produção no país ou susceptíveis de serem produzidos em quantidades suficientes para abastecer o mercado.

Dois resultados são esperados com a aplicação da nova Pauta Aduaneira. Um primeiro está relacionado com o aumento das receitas fiscais arrecadadas pelo Estado e um segundo tem a ver com o incentivo à produção nacional, que cada vez mais dá mostras de estar a aumentar e a precisar de um mercado devidamente estruturado e funcional para colocar as mercadorias ao alcance dos grandes e pequenos consumidores. É o que o Programa de Aquisição de Produtos Agro-Pecuários (PAPAGRO) tem procurado fazer, dando uma contribuição valiosa quer aos produtores/fornecedores quer aos comerciantes, não obstante existirem reclamações da parte dos primeiros que devem ser tidas em conta, porém próprias de um processo que está apenas no seu início e sinal de que os mecanismos de interacção podem e devem ser melhorados. Trata-se de uma experiência nova e impõe-se dizer que mesmo em mercados já com tradição e onde os processos de comercialização já estão devidamente consolidados ocorrem também conflitos de interesses. Mais do que apontar defeitos ao PAPAGRO - acrónimo  em relação ao qual não nutro simpatia, mas vergo-me à velha e sábia máxima segundo a qual o aspecto não faz a função, do mesmo modo que o mais importante não é o nome do programa mas sim a sua essência -, o que é de sublimar é o facto de ter dado início a um processo fundamental de estruturação do escoamento da produção agrícola, sua conservação e colocação para consumo nas grandes superfícies comerciais. É óbvio que isso não interessa a quem compra produtos fora e coloca cá a um preço mais elevado.

Voltando à vaca fria, e como exemplo ilustrativo de que cada vez mais a produção nacional está a permitir substituir as importações, é o facto de o feijão ter sido o produto cuja taxa mais subiu: em 2007 era apenas de cinco por cento e agora os importadores passam a pagar 45 por cento e o consumidor mais dez por cento. Caminhamos para uma realidade completamente nova no país, que era impensável em 2002, quando se assinou o Memorando do Luena que trouxe a paz para os angolanos, e o ambiente generalizado era o de uma Angola em escombros por causa da guerra. Uma economia a viver de fenómenos altamente especulativos, uma produção agro-pecuária em bancarrota, um país à mercê das ajudas alimentares do Programa Alimentar Mundial, milhares de cidadãos deslocados do seu habitat e impedidos sequer de se dedicar à agricultura de subsistência, milhares de crianças afectadas e a morrer diariamente devido à fome, populações inteiras votadas à indigência, tal era o cenário de há 12 anos.

Hoje temos uma economia que avança firme para a prosperidade e um Programa Integrado de Desenvolvimento Rural e Combate à Pobreza em execução que promete levar importantes mudanças estruturais ao modus vivendi da população camponesa, no sentido de melhorar a sua qualidade de vida. Levar o desenvolvimento ao mundo rural é uma forma de travar o êxodo das populações do campo para a cidade, principalmente para Luanda, que era suposto diminuir com o fim da guerra, mas que as assimetrias que a própria contribuiu em grande medida para cavar entre a capital e o resto do país serviram para o incentivar.

Da nova Pauta Aduaneira, além dos resultados indicados, o que se espera é que as entidades que velam pela fiscalização se encarreguem de acompanhar e exigir o seu cumprimento, já que é sabido que importadores e comerciantes há que se furtam ao que é de lei.

Angola: CESTA BÁSICA A BAIXO PREÇO



Armando Estrela – Jornal de Angola

O Serviço Nacional das Alfândegas (SNA) quer que os importadores dos produtos da cesta básica mantenham os preços em consonância com as isenções previstas na Pauta Aduaneira que entrou em vigor.

O SNA realizou encontros com representantes dos importadores dos produtos da cesta básica e também com os de hortícolas, tabaco, bebidas, água de mesa e viaturas, produtos com as taxas agravadas na nova Pauta Aduaneira. 

O Conselho de Ministros propôs em 2011 medidas de natureza tributária, legal e administrativa destinadas a reduzir as despesas aduaneiras e os encargos portuários na importação dos produtos que integram a cesta básica, para diminuir o preço no consumidor final.

As Alfândegas tomaram todas as providências para a retirada dos obstáculos que encarecem os produtos da cesta básica.

Dificuldades de fiscalização fazem com que os importadores especulem sobre os preços até de produtos protegidos por Lei.

Para a isenção de produtos da cesta básica apenas é exigido ao importador o comprovativo de que vende os produtos no circuito formal da economia e que está pronto a submeter-se à auditoria regular das Alfândegas ou da Polícia Económica, apesar de ser regra a necessidade dos importadores se sujeitarem à inspecção regular dos departamentos de Tarifa e Comércio e de Fiscalização Aduaneira do SNA.

Para as Alfândegas, a importação de produtos da cesta básica (leite em pó, farinha de trigo, feijão, farinha de milho, arroz, óleo alimentar e de palma, açúcar e sabão com peso superior a 1,5 quilogramas) é automática e não carece de autorização de qualquer instância dos serviços aduaneiros do país.

O chefe do Departamento de Tarifas e Comércio das Alfândegas, Garcia Afonso, questionou os importadores sobre o aumento dos preços dos produtos protegidos, apontando um estudo das Alfândegas que mostra que os importadores beneficiaram de isenções e, ao longo do tempo, não baixaram o valor das mercadorias nem sequer produziram qualquer valor acrescentado ao salário dos trabalhadores.

O SNA apela aos importadores para atitudes honestas nesta nova fase, sob pena de serem sancionados “com medidas fortes” que podem levar o importador à categoria de “risco”. Outra medida sobre os importadores de risco é a divulgação dos seus dados nos meios públicos de comunicação social e a retirada da licença de prestação de serviços de importação e de exportação.

Problemas dos importadores

Para os importadores, o problema que se coloca ao aumento de preços está ligado aos operadores que são seleccionados para a importação dos produtos da cesta básica. Garcia Afonso negou que esse problema se coloque, porque quem importa produtos da cesta básica deve utilizar os códigos de isenção. “Não se trata de importador singular ou colectivo: o importante é que sejam mercadorias da cesta básica”, esclareceu Garcia Afonso. 

O outro problema que os importadores levantaram está ligado com o valor cobrado na inspecção de qualidade de produtos pela Bromangol. Perguntou-se, na reunião, que fazer com as inspeções laboratoriais, uma das causas apontadas como determinantes para o preço dos bens da cesta básica. Apesar de vigorar a isenção de taxas aduaneiras e do imposto de consumo sobre determinados produtos, os importadores são obrigados a pagar os emolumentos específicos decorrentes da tramitação legal de qualquer documentação, na ordem de dois por cento.

Isenção de taxas 

Em Angola, a isenção aduaneira sobre a cesta básica começou a ser discutida em 1999, no período de negociações para a definição do salário mínimo nacional, mas só em 2008 foi incluída na Pauta Aduaneira-Sistema Harmonizado 2007, depois de consensos entre o Executivo e os demais operadores do comércio internacional.

Desde essa altura, o Estado definiu que a cesta básica era um conjunto de produtos básicos para o sustento de uma família de pelo menos seis pessoas, durante um mês. Essa medida de isenção, ainda actual, é provisória, uma vez que, ao entrar em vigor a nova Pauta Aduaneira-Versão 2012, há necessidade de se articular esse privilégio aduaneiro com a produção nacional.

Este assunto consta de um memorando elaborado pelo Ministério das Finanças que recomenda os serviços tributários a articularem-se progressivamente, no quadro dos consensos alcançados junto dos parceiros que lidam com a importação e exportação de mercadorias, tendo como perspectiva a salvaguarda da produção nacional e os pressupostos que reflectem a Pauta Aduaneira.

Foto: Kindala Manuel

Angola: ZUNGUEIRAS VENDEM LIVROS GRATUITOS




Casimiro Pedro - Jornal de Angola

EUA CAEM PARA 46º LUGAR NA LIBERDADE DE IMPRENSA



Andrei Fedyashin – Voz da Rússia

“A Administração Obama é a mais agressiva e antijornalística administração dos EUA da história moderna”, declarou James Risen, jornalista do The New York Times,  ao apresentar em Washington o relatório da organização independente Repórteres sem Fronteiras sobre a liberdade de imprensa.

Num ranking de 180 países, os EUA caíram para o 46º lugar, abaixo da Romênia e de El Salvador.

Nenhuma administração dos democratas tinha ainda sido acusada de tão grandes atropelos à liberdade dos jornalistas como a Administração Obama. A organização Repórteres sem Fronteiras se dedica à defesa da liberdade de informação e do direito dos jornalistas de informarem sobre o trabalho das instituições governamentais. Ela elabora o seu índice desde 2002 e tem a sua sede em Paris.

O relatório referente a 2013 sublinha que o recuo até aos tempos da perseguição aos jornalistas, por estes revelarem a verdade, está diretamente relacionado com a espionagem global dos Estados Unidos.

Em primeiro lugar com as ameaças e perseguições contra os denunciantes e os jornalistas que tentam revelar a escala da vigilância mundial, escutas de conversas telefônicas e a violação da correspondência eletrônica pela NSA. Essa agência tem espiado e continua a espiar os norte-americanos, os líderes dos 35 maiores países do mundo, escutou conversas de diplomatas da ONU, reuniões de embaixadores nas embaixadas dos outros países em Washington e por todo o mundo e nas missões da ONU em Nova York. Anualmente são recolhidos dados de 5 bilhões de assinantes de telecomunicações móveis por todo o mundo.

Ouvir dizer que a Administração Obama é agressiva da parte de um jornal que sempre foi favorável ao Partido Democrático, aos seus presidentes e congressistas, nem sequer é uma vergonha. É uma sentença. James Risen é um dos mais conhecidos representantes do jornalismo de investigação dos EUA. Neste momento está sendo analisado pelo Supremo Tribunal dos EUA o caso “Risen versus Governo dos Estados Unidos”. Ele tenciona confirmar o direito dos jornalistas de não revelarem as suas fontes de informação, quando estas possam ser sujeitas a perseguições políticas. Um dos últimos materiais de James Risen se baseou em dados de um denunciante da CIA dos Estados Unidos.

“O ano de 2013 irá entrar na história como o pior ano para a liberdade de imprensa nos Estados Unidos”, considera Risen:

“Porque digo isso? Porque a Administração empreende todos os esforços possíveis para calar os jornalistas e os denunciantes. Porque o governo e o aparelho dos serviços secretos exercem uma limitação sem precedentes da opinião pública no que toca às informações acerca da sua atividade.”

Além disso, a partir de 10 de fevereiro surgiu na Internet um novo jornal digital denunciante. Ele se chama The Intercept (O Intercetor) e foi criado com base no projeto First Look Media fundado pelo criador do leilão online eBay Pierre Omidyar. O The Intercept é editado sob redação de Glenn Greenwald, o antigo repórter do The Guardian que foi o primeiro a publicar o “dossiê Snowden”. A First Look Media tenciona lançar mais sites temáticos de denúncia: sobre a corrupção nos altos círculos do poder, sobre a violação da legalidade e dos direitos dos cidadãos, sobre a ocultação de informações e outros. Edward Snowden, afirma Greenwald, “já não estará só e nós iniciaremos um novo capítulo contra os abusos dos serviços secretos”.

A opinião pública deve saber o que faz o governo e os seus serviços secretos, diz o produtor da nova revista eletrônica, o também famoso repórter norte-americano Jeremy Scahil:

“Nos últimos meses nós assistimos a uma séria escalada nas ameaças contra os jornalistas e os denunciantes por parte da Administração Obama e do Congresso. O diretor da Inteligência Nacional dos EUA James Clapper afirma quase abertamente que os jornalistas que divulgam os documentos de Snowden são cúmplices de um crime e traidores aos EUA. O vice-almirante Michael Rogers, o novo diretor da NSA, entrou simplesmente em fúria e começou a atacar os jornalistas e o próprio Edward Snowden. Neste momento ele faz acusações completamente infundadas que Snowden seria alegadamente um agente dos serviços secretos russos ou que colabora com os mesmos.”

Mais lidas da semana